Prosa & Poesia

CARNAVAL DE MANAUS

Como já registrei, os chamados barões da borracha desfilavam, no carnaval, pelas poucas ruas do Centro de Manaus em corsos cuidadosa e orgulhosamente ornamentados vestindo fantasias importadas da Europa, como a exibir realeza e esbanjando riqueza, distribuindo confetes, serpentinas e perfumes que lançavam em direção a quantos ali se ajuntavam para assisti-los, encantados, e também para brincar e pular ao som das músicas entoadas pela orquestra.

Era uma parte do carnaval de rua da Manaus da “belle époque”, do luxo e da ostentação de poucos mantido pelo látex extraído por seringueiros em caminhos da mata, quase todos que certamente sequer sabiam da existência da folia. E era o que se misturava à originalidade e à simplicidade dos blocos de sujo, que se espalhavam por becos, ruas e ruelas e que se compunham desordenadamente por quem nada tinha a mostrar a não ser enorme disposição de brincar, dançar e pular também sob a inspiração do Momo que sempre reinou para todos.

Os corsos devem ter inspirado a exuberância dos desfiles de fantasia que permaneceram, atravessando a passagem de século, por tempo longo, como se dava, por exemplo, no conhecido baile de gala do Atlético Rio Negro Clube, que com o Ideal Clube dividia a primazia de receber a elite manauara. O traje era, necessariamente, a rigor, mulheres com longos vestidos, ricas tiaras, belos sapatos de altos saltos, joias e outros mimos, enquanto aos homens só era permitido o ingresso se trajados de “smoking”, que se completavam com belas gravatas de borboleta, abotoaduras nos punhos das alvas camisas, sapatos envernizados, flor na lapela, alguns ainda vestindo um colete que lhes conferia mais imponência. Havia ali, na noite de segunda-feira gorda, verdadeiro louvor ao belo e a ostentação se mostrava também em fantasias que exibiam bom gosto extremo e que reproduziam tempos, lugares ou figuras históricas, umas até que homenageavam nossos ancestrais naturais. No meio da festa, uma interrupção da folia para julgamento dos que disputavam a originalidade, o luxo e a beleza das criações femininas e masculinas.

Na tarde-noite do dia seguinte, o Rio Negro realizava o baile infantil, que começava às 17 horas, para seguir-se o juvenil, dos adolescentes, que ia até às 23 horas e quando também eram mostradas, com o natural orgulho de pais, tios e avós, belas fantasias mirins.

Do lado de fora, desde a calçada até o pátio de entrada do clube, passarela para que o desfile se fizesse e muitos eram os que para ali acorriam no afã de encantar-se com o fulgor da beleza e do luxo exibidos até mesmo no simples ingresso dos foliões, tudo que experientes e ávidos fotógrafos disputavam para registrar . Dizia-se ser “o sereno do Rio Negro”, para muitos um passeio obrigatório de todos os anos.

Na terça-feira gorda, para encerrar o carnaval, o Ideal Clube recebia a elite, com o mesmo rigor, e realizava não menos fulgurante desfile de fantasias momescas, onde muitos maravilhavam com o vigor de plumas, de paetês, de penas, de pura seda, de cetim, de pulseiras, colares e muito, muito brilho. Roberto Carreira, Luiz Pinto, Nogar, Jayme Covas, Inês Maria Benzecry, Sônia Sabbá, Messody Sabbá, Lourdes Buzaglo, Marlene Peres, dentre outros, não só disputavam os diferentes prêmios do concurso de criação, mas exibiam alegria e beleza que a todos fascinava, estivéssemos do lado de dentro ou de fora do belo prédio da avenida Eduardo Ribeiro esquina com Monsenhor Coutinho. Uma ode à criatividade!

Também havia desfile nos Barés, no Cheik, no Nacional, na União Esportiva Portuguesa, no Luso Sporting Clube, que igualmente cultivavam a herança deixada pelos barões nos corsos ou nas festas que realizavam em seus casarões ou nos clubes de seu tempo.

Ao assumir a presidência da EMAMTUR, Robério Braga foi buscar na empresa oficial de turismo do Rio de Janeiro técnicos que contribuíram com sensibilidade e experiência para organizar o desfile de blocos e de escolas de samba, transferindo a folia da Eduardo Ribeiro para a Djalma Batista, o que terminou por incentivar o erguimento de nosso Sambódromo, onde erro de planejamento, ou de cálculo, fez desabar a cobertura que o embelezava e tornava mais confortável, sem tirar, entretanto, a importância com que até hoje se transforma em templo do samba, no sábado gordo, e da toada, segunda e terça-feira, no Carnaboi. E também se fez o resgate do desfile de fantasias, voltando a engalanar o Ideal Clube que terminou alugado pelo Governo do Estado e convenientemente reposto em toda a sua beleza, em todo o seu esplendor, e, depois, no indescritivelmente belo Teatro Amazonas, que passou a emprestar sua imponência sedutora a concursos para premiar a Melhor Idade, o Luxo, masculino e feminino, a Originalidade, feminino e masculino, Melhor Máscara, originalidade e luxo, e Mestre Sala & Porta Bandeira.

Deu-se a profissionalização das escolas de samba, com disputa que foi ficando cada vez mais acirrada entre o berço, da Praça 14, a “Vitória Régia” – que Neném, Tia Lindoca e Roberto Madureira criaram e que Didi Redman comanda – com a “Aparecida”, que surgiu de uma ruptura entre os que compunham a escola “Em Cima da Hora”, em virtude de decisão da diretoria que impediu a continuação da participação do brincante José, conhecido como Zezinho, um jovem excepcional. É que, nos anos de 1980, competia a cada membro da escola confeccionar sua fantasia para o desfile, ou mandar fazer às suas próprias expensas, naturalmente que seguindo a orientação do figurino propriamente aprovado, e Zezinho Pacheco compareceu com a mesma indumentária que usara no ano anterior. Por mais que insistissem, membros da ala a que pertencia aquele folião não conseguiram convencer dirigentes da “Em Cima da Hora” a permitir a participação do jovem especial e, revoltados, também não desfilaram na avenida, fazendo que o rompimento acabasse por criar a “Mocidade Independente de Aparecida”, de Delgado, Chico da Mocidade, César Bandeira, Armindo, João André, com quadra que viria a ser construída na ramos Ferreira, de que Andrade se fez guardião, em frente à Vila São Vicente de Paulo e à casa onde morei em minha juventude, cuja bateria foi, anos depois, dirigida por Zé Carlos e contou com a participação de muitos alunos da Academia Monteiro de Jiu-jitsu, dentre eles mestre Adriano Augusto e meu filho Lourenço Júnior.

E retornou a escola que com a verde e rosa dividia a primazia das duas primeiras em Manaus: saindo da condição de bloco, a “Andanças de Ciganos” foi para o Sambódromo mostrar a exuberância do samba com Edson Jaburu, os Benayon, Simão, Simas, Simone, Silane e Silene Pessoa, resgatando o orgulho do folião da Cachoeirinha. E foi juntar-se ao “Reino Unido” que, sob as bençãos de Mãe Zulmira, levou para o palco a céu aberto, em 1981, a Liberdade, reunindo o povo do Morro e fazendo reinar, segundo propriamente proclama, o “espírito imortal da resistência do samba”, do Bosco Saraiva, do João Thomé Mestrinho, do Willian Pimentel, do Pirulito, do Jairo Beira-Mar, do Francisco Maciel, de Mestre Kalama…

Em 1986, o bairro de São José, o primeiro da zona leste de Manaus e que nasceu do que organizou padre Francisco Paulo Pinto, veio para o carnaval com o bloco denominado “Grande Família”, fundado por entusiasmo de Jorginho, ali no Jaqueirão, e que em 1994 foi convidado a participar do Grupo Especial das Escolas de Samba, aí sob a orientação do Luiz Gilberto, do Caçula Show, do Murilo Rayol e que desfilou, nos idos de 2006, com o Sambódromo no escuro, em virtude de acidente com carro alegórico de outra escola, mas que não perdeu a beleza nem o entusiasmo e levou o samba, com alegria e garra igual, até o final da avenida.

No bairro do Alvorada, a Banda do Jacaré foi transformada em escola de samba sob a inspiração da Reino Unido da Liberdade e ali Bosco Saraiva reuniu Joyce Castelo, Haroldo Linhares, Macarrão, Paulo França, José Granjeiro, dentre outros, e em 1995 fizeram nascer a “Unidos do Alvorada”, azul e branco que leva ao sambódromo numerosa, apaixonada e entusiasmada torcida do populoso bairro.

Ainda do chamado Grupo Especial, a escola “Sem Compromisso” preserva o amarelo e preto de quando foi bloco em 1978 na rua Comendador Clementino e hoje leva para a avenida a alegria do povo da zona norte, uma das mais populosas da cidade, que encantou o Sambódromo com o memorável samba “Joana Galante – Axé dos Orixás” em que o saudoso Aníbal Beça homenageou uma das mais importantes representantes do candomblé de Manaus. E também se fez bela quando dançou e cantou em homenagem à Universidade do Estado do Amazonas, no início da primeira década do milênio.

É do mesmo tempo, pelos anos de 1970, a criação da “Balaku-Blaku”, que começou reunindo em uma bateria foliões do centro ali rua Isabel e que se fez escola no final da década, destacando-se o desfile em que brincou com a cerveja e outro em que alegrou a avenida falando do dinheiro, com o enredo “Quem desdenha quer comprar… uma odisseia contada em Cifrões.”

Bem mais nova, com o primeiro desfile realizado em 2008, a “Vila da Barra”, do povo da Compensa, zona oeste de Manaus, consagrou-se em 2017 com o enredo “Do proibido ao sagrado, com a Vila desfrute o sabor do pecado”, obtendo o vice-campeonato no ano seguinte, com a beleza de “O grito”.

EVOÉ MOMO!

Lourenço Braga, do Instituto Geográfico e Histórico do Amazonas

lourencodossantospereirabraga@hotmai.com

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