FORMAÇÃO DE PROFESSORES INDÍGENAS
Por Lourenço Braga, do Instituto Geográfico e Histórico do Amazonas
Dia desses, a caminho de casa, ouvi no rádio propaganda institucional de nossa Universidade do Estado do Amazonas dando conta de se haver concluído em dezembro programa de formação em Pedagogia de 34 professores indígenas, de pelo menos três etnias diferentes, com ineditismo no País. Não preciso confessar a enorme alegria que me veio, como aliás costuma acontecer com os conteúdos do “Minuto UEA” que dá conta à sociedade dos inquestionáveis avanços de nossa Universidade cabocla, plantada no meio da floresta e vocacionada, desde o início, nos idos de 2001, para levar Conhecimento aos que moram no Interior do Estado, ainda que nos lugares mais remotos e de difícil acesso, como se deu com o PROFORMAR, onde nasceu o denominado Ensino Presencial Mediado por Tecnologia, por via do qual foi possível, pela vez primeira, a Amazonino e a mim falarmos, a 5 de janeiro de 2002, para mais de 7.500 professores da rede pública de 1ª a 4ª série, hoje correspondente a 1º ao 5º ano, de todos os 61 municípios do Interior, além dos mais de 1.800 da Capital, a maior turma de alunos do planeta, como afirmou o magnífico Walmir Albuquerque, ex-reitor da Universidade Federal do Amazonas. E a fórmula ali criada, muitas vezes premiada, inclusive pela UNESCO, já foi incorporada, com a modernização possível, ao ensino médio de responsabilidade da SEDUC e exportada para outros Estados da Federação. Bem por isso que ouvir falar de novas conquistas dá-me a mim prazer indescritível, como deve ocorrer com muitos dos que participaram da ousadia do primeiro momento.
Congratulo-me, pois, com os reitores de antes e de agora por não deixarem fenecer o sonho de reconhecer a todos do Amazonas o direito ao Saber. E, em especial, com o comandante atual, Magnífico professor André Zogahib, aluno da primeira turma da Escola Superior de Ciências Sociais, em 2001, da Instituição que hoje dirige.
Mais feliz ainda fico ao constatar que a Universidade dá continuidade a muitos dos programas e projetos que ali deixei, em 2007, como é o caso da Licenciatura para Professores Indígenas do Alto Solimões que objetivou graduar como Licenciado em Educação 230 índios Ticuna e 30 outros Cambeba e Cocama, em curso para ser aplicado entre junho de 2006 e janeiro de 2011.
O Relatório das atividades da Universidade no período de 2001 a 2006, em exemplares que hão de ter permanecido compondo o acervo da Biblioteca Central e do Arquivo Geral da Instituição, contém proclamação, reportando-se ao Curso, de que “pela primeira vez no Brasil, as aulas estão sendo ministradas em área indígena: a aldeia Filadélfia, no município de Benjamin Constant. Em outras experiências, os professores/alunos deslocam-se para as sedes municipais.”
Tratou-se, então, de projeto que teve por objetivo principal atender à necessidade de profissionais capacitados e habilitados para o exercício da docência nas séries finais do Ensino Fundamental e no Ensino Médio, levado adiante, sem dúvida, pela eminente socióloga e professora Marilene Corrêa da Silva Freitas, Magnífica reitora que me deu o privilégio de substituir-me em maio de 2007.
Com 3.440 horas de aula e de atividades intermediárias, o curso foi programado para abranger as áreas de Estudos de Linguagem, Ciências da Natureza e Matemática e, finalmente, Ciências Humanas, sendo que ao final das 5 etapas da formação básica os professores/alunos podiam escolher entre as seguintes terminalidades: Licenciatura Plena em Língua Indígena, Língua Espanhola, Espanhol e Literatura, ou Licenciatura Plena em Artes e Educação Física, para os que houvessem escolhido a primeira das três grandes áreas. Os que tivessem optado por Ciências da Natureza e Matemática, podiam escolher entre Licenciatura Plena em Biologia e Química ou Licenciatura Plena em Física e Matemática. Finalmente, os da área de Ciências Humanas podiam seguir para Licenciatura Plena em História e Geografia ou Licenciatura Plena em Antropologia, Sociologia e Filosofia.
O ousado processo de formação de professores indígenas compreendeu, então, lá nos primeiros anos do século e do milênio, com a Universidade ainda com pouco mais de 5 anos de criada, 1.820 horas de aulas e atividades de formação básica e outras 1.620 de formação específica, com os alunos distribuídos pelas terminalidades que escolhessem, competindo a cada um, ao final e para obtenção do grau desejado, a elaboração de monografia com orientação de professores formadores, pertencentes aos quadros da UEA, da Organização Geral dos Professores Ticunas Bilingues – parceira de primeira hora no projeto, assim como o Ministério da Educação – ou especialmente convidados de outras instituições, com destacada experiência, ou ainda educadores indígenas detentores de notáveis conhecimentos sobre a cultura, a arte, a história dos povos tradicionais.
O projeto previu, ademais, a criação de um Conselho Indígena, “formado por representantes dos cursistas, lideranças e pessoas idosas, entre outros, para acompanhar e avaliar o desenvolvimento dos trabalhos, definir estratégias e propor encaminhamentos,” como se encontra no Relatório mencionado aqui. Tudo isso em busca de garantir o alcance dos objetivos estabelecidos.
Creio firmemente que os 260 graduados ao final de tão estafante jornada hão de ter contribuído significativamente para a melhoria da qualidade do ensino destinado às populações indígenas do Alto Solimões, servindo, certamente, como marco de diferenciação com o que havia.
Eis porque fico feliz ao saber, pelo que ouvi no rádio, que a nossa Universidade dos povos da floresta continua imbuída, como desde sua criação, do firme propósito de tratamento igualitário a todos os que, principalmente hinterlandinos das comunidades mais distantes e com difícil acesso a vantagens da modernidade, sequer conheciam antes esse direito que lhes é constitucionalmente garantido.
É justamente essa convicção política – que me levou a elaborar e submeter ao governador Eduardo Braga, ainda em 2004, projeto de lei de reserva de vagas para alunos da escola pública e para indígenas – que hoje dá ao eminente professor João Bosco Botelho, da Escola de Saúde, a quem devoto especial respeito, o privilégio de publicar, no grupo do Instituto Geográfico e Histórico do Amazonas, foto ornada da seguinte legenda, falando da “integração constitucional” cumprida pela Universidade que integra desde o início: “Imenso orgulho exercer a docência, na graduação de Medicina, para alguns grupos étnicos: Glaude, Mura; Júlio, Cocama; Mateus, Mura; Leonardo, Apurina; Jansen, Miranha; Geovana, Torá.”
Que seja assim, sempre!