Prosa & Poesia

SANTA SEMANA

Lourenço Braga, do Instituto Geográfico e Histórico do Amazonas

A comunidade cristã vem sendo preparada, nas igrejas e nos templos de
diversas vertentes da crença, para viver, encerrando a quaresma, o que se
convencionou chamar de semana santa, em cuja sexta-feira é de ser lembrado
o sofrimento do Cristo Jesus, entregue a algozes covardes a partir de
negociações que incluíram acerto espúrio entre rei e governador (assim
mesmo, sem merecer letra maiúscula que lhes destaque os cargos), como
forma condenável de manutenção do poder terreno e, bem mais próximo a Ele,
o fruto de uma traição que, por 30 moedas, garantiria prestígio a doutores da lei
apegados a pretensa força que os fazia superiores aos demais humanos do
lugar, justo porque se davam ao manejo da fé, o que a eles parecia ameaçado
por tudo quanto se dizia feito pelo Messias. E também foi a covardia do beijo
combinado para entrega do Mestre que conduziu ao suicídio o desesperado
traidor.
A vinda de Jesus ao mundo dos homens e das mulheres integrou o Plano da
Salvação traçado por Deus para a Humanidade e que se iniciara bem antes
com Moisés, com Abraão e outros profetas incumbidos de distribuir a
orientação divina para saudável convivência humana. O Menino entregue a
Maria, concebido pelo Espírito Santo, teve em José, filho de Jacó, o guardião
de sua infância, protetor de sua existência de primeiros dias na fuga para o
Egito orientada pelo anjo de sorte a livrar-se da ordem real de matar todas as
crianças em tempos iniciais da vida. Era ali, então, que se mostrava pela vez
primeira quanto incomodaria a chegada de quem aqui estaria apenas
encarregado de falar, sempre e sempre, em nome do Pai.
Desde cedo, fazia-se admirado por muitos, até quando participava de encontro
com os doutores da lei – no templo de onde, bem depois, expulsaria
comerciantes que haviam transformado a Casa do Senhor em centro de
compra e venda de mercadorias, como uma feira – e todos se admiravam com
as perguntas que formulava, não próprias para sua idade infantil, e mais ainda
encantavam-se com as respostas sempre prontas ao que lhe era indagado. E
se em muitos havia deslumbramento, em outros a inveja se fazia crescente por
representar, segundo imaginavam, ameaça a poder que se atribuíam a si
mesmos.
Nada a Ele era estranho, eis que, por ser Deus em si mesmo, com fé
inabalável e incomparável no Pai que o enviara, como propriamente dizia, de
tudo sabia. E jamais usou o poder de conhecer, até de prever, para praticar ato
qualquer que se não fizesse conformado com a Bondade. Bem por isso que
transforou em vinho de excelente sabor e qualidade a água que restara em
festa de casamento onde se fazia acompanhar de Maria, a mãe que a seu lado
estaria em toda a sua jornada, até receber-lhe o corpo inerte que se seguiu a
terrível agonia e que, depois, se transformaria em líder inconteste dos que Lhe
foram Apóstolos. Daí em diante, dedicou-se Jesus a pregar a Palavra,

aproximando de Deus os que criam e resgatando os que não a conheciam ou
que dela duvidavam. E em mostras de ações que se transformavam em
milagres, como o do vinho, deu luz a cegos, cuspindo no chão e esfregando
rostos com o barro umedecido. Fez mudos falarem e a surdos concedeu a
audição, com a mesma simplicidade com que ordenou a paralítico que tomasse
sua maca e saísse caminhando de volta para casa onde jamais estivera de pé.
Não terá sido com força menor da crença superior, que enfrentou os que o
desafiaram, como era de costume em alguns, para levar a ele mulher acusada
de adultério e que, por isso e em julgamento popular absolutamente sumário,
haveria de ser morta por apedrejamento. Rabiscando algo no chão, Ele sim fez
o desafio chamando para que atirasse a primeira pedra aquele que, dentre os
agitados circunstantes, jamais houvesse errado. Fez-se silêncio e, em
reverência talvez, saíram todos, um a um, até que o Mestre disse à mulher que
se considerasse absolvida e que não voltasse a pecar.
Aproximando-se o tempo do fim, Jesus tomou conhecimento da morte de
Lázaro, por quem tinha grande amizade, e dirigiu-se ao lugar que lhe indicaram
como de sepultamento do amigo, depois de consolar a mulher e a irmã que o
pranteavam havia quatro dias. Ao chegar à frente do túmulo, ergueu os olhos
em demonstração de fé, contato de absoluta sintonia com o Pai, e logo pediu a
Pedro, o primeiro Apóstolo, que ajudasse a remover a pedra que fechava o
lugar onde estava o corpo. Depois, em tom suave mas de segurança
incontestável, ordenou a Lázaro, o morto, que dali saísse, retornando à vida.
Muitos os que choraram agradecidos por lhes haver sido permitido assistir a tal
instante de fé transcendente.
Depois, Jesus pediu que lhe buscassem um burrinho, indicando o local exato
onde encontrariam o animal, e nele montou para retornar ao lugar onde, bem
sabia, se iria dar longo, penoso, desumano e covarde, para dizer o mínimo,
padecimento físico e moral que só terminaria com sua morte, crucificado entre
dois ladrões, um dos quais a quem, mesmo depois de sofrimento intenso e já
com forças em fuga, prometeu encontrar no paraíso, em demonstração última
de piedade.
Pelo caminho, na entrada da cidade, eram muitos os que o esperavam e o
seguiam em procissão, com flores e ramos nas mãos em saudação de puro
amor, sem saber que aquela seria a última caminhada a que assistiram. É o
domingo de ramos, que a fé cristã festejará no próximo dia 2 de abril, deste ano
de 2023, iniciando a semana santa.
No ano que passou, tratei do tema destacando, por antítese, o que ainda se dá,
na nova santa semana, no mundo europeu, a me permitir continuar falando
“dos que são convocados a não pensar e a admitir matar ou até mesmo
oferecer-se a ser mortos em uma guerra – mesmo que estranhamente
denominada de operação militar especial – que, como todas, só não digo
irracionais pelo respeito que devoto aos animais.” É que, transcorrido um ano,
“russos e ucranianos, estes atacados com violência indescritível, matam e
morrem, em mostra de crueldade extrema, só porque assim decidiram os que

os governam. E sempre que me pergunto qual a lógica da guerra, a mim me
respondo, até como resguardo da inocência: a estupidez.”
Os que recebiam em festa o Mestre, com ramos que encantavam e flores que
perfumavam sequer desconfiavam de que seria aquele o contato último com a
beleza e a serenidade do sorriso do Jesus que, nos dias que se seguiram,
haveria de sangrar submetido a toda espécie de sofrimento, de agressões
físicas e morais, de escárnio até, tudo o que suportou em nome do Pai porque
sabia que ali se dava a salvação da humanidade. E, não duvidava, em 3 dias
estaria de volta a seu lugar verdadeiro, espargindo a luz, plantada a fé.
É o que ousei prosear em forma de quase poesia, assim:
SANTA SEMANA
Por tudo quando ensinara,
pregando em nome do Pai,
sabia como ninguém
que eram quase chegados
os instantes da agonia,
de dor, humilhação,
de desprezo e traição,
tudo que ia ser feito
a preço da salvação
do mundo que construiu.
No monte das Oliveiras
subiu em um jumentinho,
a quem tratou com carinho,
pra ir a Jerusalém,
ensinando a humildade.
No caminho, muitos ramos
trazidos pelos fiéis
testemunhavam a fé,
ao tempo da inocência,
dos que com ele faziam
a viagem derradeira.
Domingo de amor intenso,
de beleza singular,
a procissão se encantava
mas Ele bem que esperava
prenúncio das horas de dor,
vésperas negras
do novo resplandecer.
No dia que se seguiu,
festa em Betânia,
do Lázaro que ressuscitou.
Os pés que Marta perfumou

com nardo que tanto guardara
e em seus cabelos secou
em pura adoração,
logo iriam pisar
as farpas do chão do calvário
pra onde a maldade humana
O deveria levar.
Era chegada a hora
de príncipes sacerdotes
decidirem pela morte
do Rei da Humanidade
que deixaria como herança
o exemplo da bondade
a força da esperança,
do amor e da caridade.
Com toda serenidade,
proclamou durante a ceia
“um de vós me há de trair”
e todos se inquietaram
com o que estava por vir,
até que Jesus indicou,
molhando um pouco de pão,
que Judas Iscariotes
seria o traidor
e a ele determinou
que não tardasse a fazer
o que era de sua vontade,
gesto que, em verdade,
começaria o horror.
Pedro que insistia
em proclamar gratidão,
também ficou consciente
de que em momento que viria
praticaria traição
e por três vezes negaria
o Mestre de sua devoção.
Estava assim anunciado
o que logo estaria acabado.

Graças a Deus, no domingo que se seguiu fez-se a luz.
Que o Pai nos conceda a paz na Páscoa do Senhor!

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